Golpe, ano 60: poder militar ainda ameaça democracia

Por Ricardo Kotscho

A ditadura militar acabou oficialmente em 1985, com a posse do primeiro presidente civil, José Sarney, mas seus fantasmas pairam sobre o país até hoje. Ainda outro dia, por muito pouco, como agora sabemos, não vivemos todo aquele pesadelo de novo, com a tentativa fracassada de um outro golpe militar, sob o comando de Jair Bolsonaro, um capitão reformado pelo Exército por insubordinação.

Na agora célebre reunião do começo de dezembro de 2022, em que o capitão apresentou seu roteiro do golpe ao ministro da Defesa e aos três comandantes militares, para impedir a posse do presidente eleito em outubro, houve empate em 2 a 2.

O ministro da Defesa, Paulo Sergio, e o comandante da Marinha, almirante Garnier, apoiaram o plano sinistro, mas os comandantes do Exército, Freire Gomes, e o da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Jr. se opuseram. Bolsonaro não teve coragem de desempatar e assinar o decreto do estado de sítio mostrado a eles, primeiro passo para o golpe. Só por isso, e graças às instituições e aos eleitores, não vivemos um novo 1964.
Do general Mourão Filho ao capitão Bolsonaro, de tempos em tempos, o poder militar ameaça a nossa jovem e frágil democracia, desde a Proclamação da República, porque o poder civil nunca teve coragem para discutir de fato o papel das Forças Armadas no Brasil em tempos de paz.

A julgar pelo nível dos oficiais superiores envolvidos na trama de 2022, uma ampla reforma nas Forças Armadas, definindo claramente suas funções, missões e limites, tem que começar pelo currículo e ensino nas escolas militares, que ainda vivem na época da Guerra Fria, como era em 1964. Por isso, até hoje, eles estão caçando “comunistas” para atacar o atual governo.

“Melhor não mexer com eles”, costumam sempre dizer os líderes civis quando se toca nesse assunto, mais ou menos o que fez o presidente Lula na semana passada, quando perguntado sobre a triste efeméride dos 60 anos. E assim eles avançam e recuam, como agora, em que se sentem acossados pelas investigações sobre a preparação do golpe flopado, que pode levar para a cadeia brevemente o capitão e seus generais.

Se vivêssemos tempos de guerra real contra outro país, estaríamos perdidos. Basta ver o que está acontecendo nas nossas fronteiras amazônicas, que mais parecem um queijo suíço, onde o crime organizado do narcotráfico e do contrabando de ouro e madeira a cada dia avança mais, por terra, pelos rios e pelo ar, sobre as áreas indígenas demarcadas, destruindo a floresta, a fauna, a flora e a vida do povo ribeirinho, afetando o clima no planeta.

Nossos bravos patriotas fardados preferem ficar bem longe dessas fronteiras, onde são mais necessários, de preferência morando em boas cidades litorâneas lotadas de quartéis. Quando são convocados a atuar para proteger e levar cestas básicas ao povo yanomami pedem verbas extras, como se fossem uma empresa de segurança privada, a exemplo do que aconteceu recentemente. O polpudo orçamento anual das FFAA nunca é suficiente.

Enquanto esta questão militar não for resolvida, de uma vez por todas, o poder civil e a democracia continuarão ameaçados todas as vezes em que as Forças Armadas se intrometerem em política, eleições e urnas eletrônicas. Para boa parte deles, 1964 ainda não acabou.

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